Olá pessoal, para aqueles que não me conhecem eu sou o Aron, apenas outro otaku qualquer que assistiu coisas demais e acha que só por causa disso pode escrever um review coerente. Este é o meu primeiro texto nesse site então caso você não goste do texto ou não concorde comigo refira-se a mim nos comentários, os donos do blog não tem culpa da burrice deste escriba. Mas vamos lá, hoje eu vou analisar um anime que creio eu poucas pessoas conhecem hoje em dia, voltando lá para os anos 80 quando a sua mãe saia com o seu pai para assistir o Renato Russo soltar a franga no show do Legião Urbana para depois fazer coisas pouco cristãs no carro emprestado do pai do seu pai, quando uma garrafa de coca cola de dois litros custava quinze reais e José Sarney ainda era imperador do Brasil e não apenas do maranhão. Enquanto o bicho pegava aqui, lá no outro lado do mundo acontecia a estréia de um dos maiores nomes da animação japonesa: Hideaki Anno, o criador de Evangelion, pupilo direto de Miyazaki e diretor da próxima versão japonesa de Godzila. Sim, o cara é uma lenda então prepare-se para altas doses de mecha, drama e fanservice oitentista com Aim to the top Gunbuster.

Só para deixar claro este texto contém SPOILERS então se você tem problemas com este tipo de coisa largue de ser uma bichinha e leia essa bagaça... modafoca.
Caso você, assim como eu, for assistir Gunbuster depois de já conhecer o seu irmão mais famoso - Evangelion - pode sentir uma sensação estranha ao assistir este anime. Boa parte dos elementos de Eva está lá, mas ainda sim não é Eva.

Animes de mecha surgiram quase ao mesmo tempo em que os japoneses descobriram que passar desenho animado na TV poderia ser lucrativo, mas foi apenas nos anos 80 que o gênero começou a definir os padrões a serem seguidos pelas obras posteriores, embora Eva seja lembrado como um dos animes fundamentais para a percepção de que aqueles desenhos de pessoas de olhos grandes e cabelos coloridos poderiam ser algo mais profundo que apenas histórias sobre golpes espalhafatosos e garotinhas em uniforme de marinheiro.

Gunbuster  já trazia tensão psicológica, questionamentos existenciais e grandes doses de ciência sete anos antes de Eva, e naquela época o mercado ainda era novo e todos tentavam descobrir o que fazia sucesso entre o publico e o que não fazia. Dessa busca veio uma interessantíssima leva de animes experimentais como The Angel’s Egg, Neo Tokyo e mesmo obras feitas abertamente para vender como Gunbuster, que traziam certa dose de experimentalismo.

Hoje obras de ficção científica que buscam dar certa verossimilhança para as suas personagens e o universo apresentado são quase um lugar comum entre os lançamentos da temporada, obras essas com diferentes níveis de sucesso em estabelecer uma conexão entre o expectador e o mundo apresentado. Mas naquela época as únicas franquias de mecha que faziam sucesso eram Gundam e Macross; e embora estas séries também tenham contribuído para estabelecimento do know how sobre a dinâmica do mercado de animes, nenhuma delas ia na mesma direção que Gunbuster buscava ir. Em outras palavras, hoje temos uma receitinha de bolo sobre como fazer um anime que vende, dessa receita de vez em quando aparece um bolo altamente concentrado como TTGL ou altamente diluído como Aldnoah Zero. Porém os ingredientes e os métodos são parecidos, e graças a Gunbuster essas obras podem existir.


It’s Gainax bitch!

Como eu ia dizendo boa parte dos elementos de Eva já estava presentes nesta obra, portanto Gunbuster pode ser encarado como um ensaio para o que viria em 1995, este anime tem quase todos os elementos que tornaram Eva famoso, tem questionamentos sobre o papel da raça humana no universo, tem uma grande quantidade de explicação científica sobre os fenômenos apresentados na tela, tem uma guerra contra formas de vida desconhecidas e determinadas a acabar com a humanidade e principalmente: possui personagens muito parecidos entre as duas obras.

Vamos começar com a protagonista: Noriko Takaya. Ela é medrosa, desastrada insegura e até certo ponto incompetente. Em outras palavras, ela é Shinji Ikari só que de saias (ou no caso em um maiô bem provocativo), ela não inspira confiança e por isso não tem a simpatia da maior parte da equipe, acha que o mundo inteiro conspira contra ela e tem uma grande necessidade de aceitação pelas pessoas que ela tem estima. No espectro oposto temos o treinador Oota que faz as vezes de Gendo, ele é rígido, frio e dedica a maior parte da trama a forçar Noriko a fazer as coisas que tem que ser feitas mesmo que para isso tenha que agir como um tremendo FDP. Temos também Amano Kazumi que faz um papel parecido com de Misato Katsuragi que é o de guiar a protagonista ao seu destino de salvadora da humanidade e por fim temos Freud Jung (ninguém notou a referencia no nome...) que guarda diversas semelhanças com Asuka Soryu.

Obrigado tarjas pretas, o mundo é um lugar muito mais decente com vocês.

Vale citar este anime também é uma das primeiras obras que podem ser classificados com o controverso título de echii, embora que, ao contrário da sua contraparte mais explícita - o hentai - não existe muita informação sobre a história do gênero na internet, mesmo que seja sabido que Cute Honey já trouxesse esse tipo de coisa lá nos anos 70.

Vale lembrar também que este anime foi um dos responsáveis por mostrar o que hoje parece óbvio: que peitos e bundas são capazes de vender e muito. O fanservice parece forçado, gratuito e em alguns momentos bobo até, porém, embora apareçam uns peitinhos aqui e ali nem se compara com a quantidade absurda de fanservice dos animes de hoje em dia, fanservice este que em alguns casos ultrapassa o limite do aceitável e do surreal (coisas como peitos que desviam de balas e escovação de dentes erótica, aqueles com boa memória devem entender o que eu quero dizer).

Mamas: um produto do capitalismo selvagem

Da parte do roteiro pode-se dizer que o numero de situações convenientes chega a incomodar um pouco, se o anime se esforça a dar uma explicação convincente para o que acontece em nível macro o mesmo não pode ser dito da motivação das personagens, elas são um pouco vagas e poderiam ter sido melhor exploradas. As vezes parece que elas agem apenas por que o roteirista queria fazer a história andar para frente e não como se fossem pessoas reais vivendo aquela situação.

Só para dar um exemplo, quando Amano e Jung se encontram pela primeira vez Jung simplesmente ataca Amano do nada e as duas começam a lutar, quando Amano pergunta o motivo da agressão Jung apenas diz ela queria lutar com a melhor piloto de mecha. E não para por aí, durante a luta elas vão parar em uma instalação ultra secreta que paradoxalmente possui um sistema de segurança pífio, lá elas dão de cara com o que parece ser um dos alienígenas capturado, esperava-se que mais tarde fosse explicado o motivo dele estar lá ou que ele desempenhasse um papel importante com o desenrolar da história, mas nos episódios seguintes simplesmente se esquecem dele. Também tem a paixão inexplicável que Amano sente pelo treinador a partir do episódio cinco, antes ela não demonstrava nenhum interesse nele e de repente ele se torna o amor da vida dela, a ponto de por toda a humanidade em perigo apenas por que ele poderia morrer enquanto ela lutava contra as criaturas e mais uma meia dúzia de situações pouco convincentes, não é algo que comprometa a sua diversão mas que destoa de um universo que se esforça para ser realista.

Sim, tudo isso era feito à mão.

Já animação é simplesmente incrível para os padrões dos anos 80, o design dos personagens não esconde a idade da obra, mas ainda sim é muito bem feito, embora o design dos mechas, com exceção do Gunbuster seja simples demais para o meu gosto.

As naves, os alienígenas e o ambiente foram incrivelmente bem pensados, os movimentos são fluidos e as batalhas cheias de detalhes, para aqueles que acham que não vale a pena assistir por que a animação parece velha aconselho prestar atenção nas sutilezas da animação, em especial no último episódio quando a Gainax utiliza um recurso que estranhamente é muito pouco usado nos animes, o preto e branco, embora também sejam utilizados os velhos truques de quando se está com pouca verba e pouco tempo sobrando até a deadline como cenas estáticas e reutilização de quadros, em dias onde o uso de CG nos animes se torna cada vez mais extensivo é difícil não apreciar a beleza de uma animação feita cem por cento à mão.

Algo que aprecio muito nas obras de Anno é a sua capacidade de passar um clima de urgência em seus animes, o suspense antes da batalha muitas vezes funciona melhor que cenas de luta exageradas e cheias de explosões além de contribuir para a sensação de “ok, isso é realmente sério, eu posso morrer, então nada de voar à velocidade da luz chutando a bunda dos caras maus”. É algo que eu gostaria de ver com mais freqüência não apenas nos animes mas na industria do entretenimento em geral, embora eu goste de um filme catástrofe a lá vingadores de vez em quando acho que a maioria das pessoas é inteligente o bastante para apreciar algo mais sério.

A trilha sonora é boa, nada espetacular, mas desempenha bem o seu papel, mais uma vez alguns temas lembram Evangelion, mas sabemos que Gunbuster veio antes, e só para lembrar em relação ao plot o conceito de dilatação temporal é muito bem explorado como recurso dramático, a melancolia das personagens, tantos as que ficam, sabendo que se passarão décadas até se reencontrarem, como as que vão e depois se sentem perdidas ao saberem que tudo mudou enquanto elas estavam fora é um dos pontos altos do anime, é algo que pode acontecer caso um dia viagens espaciais para além do sistema solar se tornarem realidade.

Enfim, não há desculpa para não assistir Gunbuster. Tem apenas seis episódios que valem por vinte e seis de algumas obras por aí. Faltou polimento e algumas coisas poderiam ter sido melhores mas já sabemos o resultado da sua versão mais bem acabada e o impacto que ela teve no mundo dos animes.

Até mais.

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